Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

A palavra “Constitucionalismo” etimologicamente pode ser conceituada como um movimento constitucional. Constitucional de Constituição, e o sufixo “ismo” de movimento, de dinâmica (ex: eletromagnetismo – automobilismo).

Constitucionalismo tecnicamente pode ser conceituado como a limitação do poder do Estado e a supremacia da lei. Em outras palavras impedir o autoritarismo estatal e garantir a prevalência da lei sobre todas as relações, vale dizer, fazer valer a vontade da lei em detrimento da vontade dos governantes. A lei como ordem suprema. Um governo de lei e não de homens.

Há vozes e não são poucas no sentido de que o Constitucionalismo nasce com as revoluções de independência dos Estados Unidos da América, movimento político de base popular, e que teve a burguesia colonial seu principal combustível, levando finalmente à proclamação, no dia 4 de julho de 1776, da independência das treze Colônias. Daí porque foi os Estados Unidos da América o primeiro país dotado de uma Constituição política escrita.

Alguns anos depois o levante atravessaria o oceano e chegaria à cidade das luzes, Paris. A França reescreveria a sua história, e mais que isso, marcaria o mundo coma revolução francesa. Pão para os pobres e democracia para a França, as palavras de Maximilien de Robespierre eram suas armas, e correu como semente em solo fértil enchendo os franceses de coragem para enfrentar o regime absolutista da monarquia da época, o Ancien Régime.

A revolução francesa corou um modelo de Estado que era o sonho de todos os adeptos do direito natural, um governo de leis, e não um governo de homens.

E de fato as revoluções mais modernas trouxeram um “constitucionalismo” mais firme, mais latente na sociedade, mas não passa despercebido que, a par das preciosas lições de Uadi Lammego Bulos sobre a cronologia do Constitucionalismo que serão posteriormente comentadas, é

bom que se diga que a primeira concepção de Constitucionalismo pode ser percebida entre os Hebreus.

KARL LOEWENSTEIN registra que entre os hebreus ainda sob um Estado teocrático1 houve limitação ao poder político por força da imposição da chamada “lei do senhor” – atribuindo aos profetas apontar os atos do Estado (atos dos reis – imperadores e governantes) que não estavam em conformidade com a lei de Deus (a lei do senhor).

Com efeito, o constitucionalismo pregava a separação dos poderes, ao passo que a monarquia pregava a concentração de poder.

Sobre o sentido da palavra constitucionalismo observa NICOLA MATTEUCCI que

a definição mais conhecida de constitucionalismo é a que o
identifica com a divisão do poder ou, de acordo com a formulação
jurídica, com a separação dos poderes. A favor desta
identificação existe um precedente assaz respeitável, a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que
tão grande influência havia de ter nas mudanças constitucionais
da Europa no século XIX.

E prossegue NICOLA MATTEUCCI informando que o termo constitucionalismo é “bastante recente no vocabulário político italiano e o seu

DALMO DE ABRREU DALLARI observa que a ideia de atribuir um sentido jurídico à Constituição de um povo se deu na Inglaterra medieval.

É importante consignar que o termo “constitucionalismo” não é antigo, e a nosso sentir de fato é com a revolução francesa que encontra essa expressão sua sedimentação entre os homens.

É de igual modo interessante ao menos a título de erudição o magistério de UADI LAMMÊGO BULOS acerca da evolução histórica do constitucionalismo, ao mencionar seu 6(seis) etapas do Constitucionalismo:

1a etapa: um constitucionalismo primitivo que data 30.000 anos a.C até 3.000 anos a.C;

2a etapa: um constitucionalismo antigo que data 3.000 anos a.C até o século V;

3a etapa: um constitucionalismo medieval que data do século V até o século XV;

4a etapa: um constitucionalismo moderno que data do século XV até o século XVIII;

5a etapa: um constitucionalismo contemporâneo que data do século XVIII até os nossos dias;

6a etapa: um constitucionalismo do futuro ou do porvir.

ANDRÉ RAMOS TAVARES cita importante visão de José Joaquim Gomes Canotilho, conferir:

O constitucionalismo exprime também uma ideologia: o
liberalismo é constitucionalismo; é governo das leis e não dos
homens (Mc Ilwain). A ideia constitucional deixa de ser apenas
uma limitação do poder e a garantia de direitos individuais para
se converter numa ideologia, abarcando os vários domínios da
vida política, econômica e social (ideologia liberal ou burguesa).

A Magna Carta, ou Grande Carta, datada de 1.215, na Inglaterra, pode ser alocada neste período do constitucionalismo, qual seja, do constitucionalismo medieval, durante o reinado de João, o filho mais novo de Henrique II.

João, não possuía nenhum feudo, nenhuma terra, pois não era filho o primogênito, o que o tornava politicamente muito frágil, pois a terra aqueles tempos era a pedra angular do poder e é justamente diante deste cenário que os barões ingleses forçam João a assinar a Magna Carta, apontada como o primeiro instrumento formal de reconhecimento de direitos, tais como devido processo legal, o princípio da igualdade, o direito de propriedade entre outros.

O Constitucionalismo, a nosso sentir, poderá a sim ser sintetizado: Sem qualquer margem de dúvidas sedimentou-se a ideia de que a Constituição necessariamente haverá de ser escrita, e que muito mais que

escrita, haverá de ser um documento formal que primeiro assegure direitos e depois imponha as obrigações. É a garantia de supremacia da lei; a garantia de se preservar os direitos fundamentais da pessoa humana; o dever do Estado em garantir direitos mínimos para a sobrevivência das pessoas naquele Estado à qual está inserida; a garantia de participação nas questões políticas; e por derradeiro, a limitação do poder do Estado diante dos administrados.

E é também de NICOLA MATEUCCI a seguinte afirmação:

O princípio da primazia da lei, a afirmação de que todo
poder político tem de ser legalmente limitado, é a maior
contribuição da Idade Média para a história do
Constitucionalismo. Contudo, na idade média ele foi um
simples princípio, muitas vezes pouco eficaz, porque faltava um
instituto legítimo que controlasse, baseando-se no direito, o
exercício do poder político e garantisse aos cidadãos o respeito à
lei por parte dos órgãos do Governo. A descoberta e aplicação
concreta desses meios é própria, pelo contrário, do
Constitucionalismo moderno.

O constitucionalismo contemporâneo, portanto, traz aos administrados (traz a nós) segurança nas relações com o Estado, pois, partimos de um documento escrito, a Constituição, para daí e diante estabelecermos os parâmetros de toda e qualquer relação jurídica – política e social.

No Constitucionalismo, conforme já dissemos, não vale a vontade dos governantes, reis, imperadores, mas vale, isso sim, a vontade da lei, uma lei prévia, que já existe sem que haja o elemento surpresa, uma lei não mais costumeira, mas uma lei escrita em um documento chamado Constituição, um pacto agora não mais informal como foi no passado, mas agora um pacto necessariamente escrito que a todos se impõe.

O pacto social – ideais de Rosseau, Hobbes e Locke, praticamente todos eles seguiram um mesmo pensamento, são agora, com o constitucionalismo, firmados em um documento necessariamente escrito, trazendo segurança jurídica, confiança, aos membros do Estado (administrados).

Mas o constitucionalismo contemporâneo está muito além de simplesmente pactuar formalmente as relações Estado – individuo. Vai além. Quer do governante a promessa concretizada, a política pública efetivamente concretizada, não se contentando mais com simples promessas até então previstas nas chamadas normas constitucionais programáticas.

Portanto, políticas publicas nas áreas de saúde, educação, segurança, habitação, entre outras, deverão ser concretizadas de modo a permitir que alcançamos uma democracia material, pois, não basta termos uma democracia formal “todos são iguais perante a lei” – é preciso que o Estado propicie condições para que todos possam de forma efetiva atingir certo nível de igualdade.

JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO6 em certa passagem referiu-se a chamada Constituição dirigente. Mas o que seria a Constituição dirigente? Seria a fixação na Constituição Federal das ações governamentais.

É também do festejado professor de Coimbra o seguinte conceito de Constitucionalismo, conferir:

Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio
do governo limitado indispensável garantia dos direitos em
dimensão estruturante da organização político-social de uma
comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno
representará uma técnica específica de limitação do Poder com
fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo
transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo,
uma teoria normativa da política, tal como a teoria da
democracia ou a teoria do liberalismo”.

E que se repita: não é mais suficiente que haja nas programáticas, mas é necessário isto sim, que referidas normas sejam efetivamente concretizadas.

No estudo da matéria, vale lembrança a lição de Michel Temer. Ensina o ilustre constitucionalista que

O Estado, já dissemos, é uma sociedade. Pressupõe organização.
Os preceitos organizativos corporificam o instrumento
denominado Constituição. Portanto, a Constituição é o
conjunto de preceitos imperativos fixadores de deveres e
direitos e distribuidores de competências, que dão a
estrutura social, ligando pessoas que se encontram em
dado território em certa época.

A Constituição do “por vir” a que se refere o argentino José Roberto Dromi é a Constituição que tem como valores a verdade, a solidariedade, a integração, a universalização e ainda a continuidade (continuidade no sentido de se manter os valores/os direitos já conquistados).

O início do século XXI marca a chegada daquilo que muitos passaram a chamar principalmente na Espanha e na América Latina de neoconstitucionalismo. Tem sido recorrente em exames de toda ordem à indagações acerca do neoconstitucionalismo.

Primeiramente, se faz necessário entender o significado da palavra “neoconstitucionalismo”. O prefixo “NEO” advém do grego e quer dizer “novo” – “atual” – “atualizado”. Assim, neoconstitucionalismo significa “novo constitucionalismo” – “atual constitucionalismo”.

O neoconstitucionalismo na verdade é a concretização de valores consagrados na Constituição Federal. Há muitos estudiosos que o chamam de constitucionalismo pós-moderno.

A nosso sentir o que se chama de neoconstitucionalismo é o próprio constitucionalismo. O constitucionalismo, de fato, tinha como premissa a limitação do poder dos governantes e a garantia dos direitos individuais, todavia, não se pode negar que o constitucionalismo também pregava não só a garantia do direito (individual ou social – social ainda que indiretamente como no caso da Lei Fundamental de Bonn na Alemanha), mas pregava também a concretização de tais direitos, de tais promessas, ainda que de forma indireta. Esse é ao menos o nosso singelo entendimento.

Também se diz que o neoconstitucionalismo visa a garantia de direitos mínimos; a elevação do ser humano diante de todo o contexto jurídico para assim proteger seus direitos fundamentais e por consequência a dignidade da pessoa humana. Porém, o constitucionalismo nunca negou nenhum destes valores, seja a garantia de direitos mínimos, seja a proteção integral à dignidade da pessoa humana.

Com efeito, a superioridade da Constituição no constitucionalismo visando limitar os abusos do Estado e garantir os direitos individuais sempre teve como finalidade a proteção do ser humano, que é em última análise o que se tem chamado de neoconstitucionalismo.

Todavia, há um ponto que não se pode negar: a supremacia da Constituição Federal no atual momento da sociedade nutriu o Poder Judiciário de uma carga elevada de “poder”, pois, se cabe ao juiz dizer o que é e o que não é constitucional, é certo que, os demais poderes constituídos (executivo e legislativo) ficaram de certo modo vinculados àquilo que o judiciário aponte como sendo ou não constitucional.

Realmente, é seguro afirmar que tivemos nos últimos tempos um amadurecimento acerca da ideia de Constituição, de constitucionalismo, de seus valores e da própria força normativa da Constituição. A história teve e tem seu papel relevante neste cenário.

Isso levou alguns ao entendimento de que aquilo que se conheceu como constitucionalismo sofreu uma carga evolutiva considerável (a concreção das promessas constitucionais – o reencontro entre o direito e a justiça o direito e a ética – a força normativa da Constituição – a supremacia da Constituição diante dos poderes constituídos) passando a ser chamado de neoconstitucionalismo.

Como já expusemos anteriormente, embora grande parte da doutrina pareça seguir este entendimento (neoconstitucionalismo), para nós, as premissas do constitucionalismo sempre foram estas que se conferem agora ao neoconstitucionalismo, sendo certo que, na verdade, o que houve foi um melhor amadurecimento da ideia de constitucionalismo.

A jurisprudência do STF também se inclina em favor deste novo conceito de neoconstitucionalismo, confira-se:

E M E N T A: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO
SEXO – ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-
CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES
HOMOAFETIVAS – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO
RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO
CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) – O AFETO COMO VALOR
JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A
VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO
CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA – O DIREITO À
BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO
CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-
FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA – ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE
O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE –
PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER
PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE
SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO –
DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL
HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR
MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS
REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL – O ART. 226, §
3o, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE
INCLUSÃO – A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – A
PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE
UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL
– O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ
MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA
DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5o,
XLI) – A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE
COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE
SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO –
RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
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