A RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DOS AGENTES PÚBLICOS

A RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DOS AGENTES PÚBLICOS

A RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DOS AGENTES PÚBLICOS POR SUAS DECISÕES ACERCA DE SAÚDE PÚBLICA

 

Embora já tenhamos dito em outras oportunidades acerca da responsabilidade em que pode incorrer os agentes públicos descumpridores da Constituição e das mais variadas normas de regência, não é demais fazer alguns outros apontamentos, dado à grandeza e à importância do tema na atual realidade mundial.

 

Cumprir à Constituição e os instrumentos jurídicos de regência não é faculdade atribuída ao agente público, mas é, isso sim, um dever inerente ao exercício da competências que os reveste do desempenho de suas funções.

 

Isso significa dizer, que no trato das coisas públicas e da administração dos interesses públicos, o agente público de qualquer das esferas de poder e ordem de hierarquia são submissos à vontade da Constituição e das leis. É porque em um Estado Democrático de Direito não há espaço para as variadas escolhas que possam ter os agentes detentores de poder, pois, prevalece sobre todos eles o império da lei.

 

Consoante já se disse, de fato, há um pequeno, um módico espaço de liberdade de escolha para a tomada de decisões principalmente no poder executivo, o que se chama discricionariedade administrativa, todavia, não é esta e nunca foi, um cheque em branco que pode ser preenchido conforme os prazeres dos gestores e homens públicos.

 

A boa técnica e até mesmo à doutrina de vanguarda sempre reconheceram que a discricionariedade administrativa impõe direito de escolha dentre dois ou mais caminhos previstos em lei e, em qualquer caso, com extremada observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para que, tudo somado, encaminhe aos agentes públicos para a tomada da decisão ótima, ou seja, aquela que mais atende ao interesse das pessoas, ao interesse do coletivo.

 

Tudo isso é de muita relevância quando em discussão o tema da saúde pública. É porque saúde e ciência caminham lado a lado, como irmãos siameses, o que implica no dever de tomada de decisões administrativas, legislativas e até jurisdicionais escoradas na ciência.

 

A discricionariedade administrativa em se tratando de saúde pública é ainda mais limitada, pois, na lacuna da lei, tem espaço para a ciência, ela é a guia e ao alicerce das decisões quando em discussão saúde pública.

 

E que nem se diga que isso implica em um esvaziamento das competências do administrador público, ao contrário, em se tratando de saúde pública a ciência é o arrimo do gestor, porque, repita-se, é nela que ele deve se apoiar para decidir, para escolher a melhor opção dentro daquelas previstas na lei e que lhe são oferecidas em dado momento da vida.

 

De fato, retrata-se aqui uma estrita vinculação entre a tomada de decisão, ou seja, a decisão tomada pelo agente público e os parâmetros científicos que lhe serviram de arrimo para a tomada daquela decisão. E isso é de extrema significância, a uma porque se tomada a decisão apoiada lei e na ciência, ainda que a referida decisão se mostre futuramente imprópria, ineficaz, não haverá o que se falar em ilegalidade e por conseguinte, responsabilização do agente público, pois, atendeu aquele à lei e à ciência, não se podendo exigir nada mais que isso, pois, é isso que se espera de qualquer agente público eficiente quando em tema saúde pública, respeito à Constituição, às leis e a ciência e, esperar mais que isso, é igualá-lo as decisões divinas.

 

Doutra banda o contrário também é verdadeiro. O agente público quando estiver defronte às questões de saúde pública, tomar decisões contrárias à Constituição, contrária as leis e às orientações da ciência atrai para si os encargos daí decorrentes de sua conduta destemida, aventureira e ilegítima.

 

Como já se disse à exaustão, cumprir à lei não é virtude de nenhum agente público, mas é dever imperioso, tarefa primária que lhe cabe. Em saúde pública isso significa que, ao cumprir à Constituição e às leis, deve o agente público atender às orientações da ciência, das pesquisas, dos órgãos nacionais e internacionais que tratam da matéria, pois, do contrário, estará o agente incorrendo em manifesta ilegalidade, já que, a decisão correta não é aquela que achamos, imaginamos, ainda que de boa-fé, mas a correta decisão é aquele deitada sobre a ciência, sobre as pesquisas, sobre os critérios nacionalmente ou mundialmente aceitos para àquela situação especifica.

 

A livre escolha dos agentes públicos em decidir como fazer e quando fazer, desapegadas dos critérios técnicos, implica em responsabilização pessoal daqueles agentes se, de suas decisões, houver dano individual ou coletivo, material ou moral, sem prejuízo das demais consequências legais.

 

E isso se dá porque dos agentes públicos não se espera outra postura senão à melhor, a mais responsável, à que mais se aproxime daquela decisão ótima, a que se refere os antigos. Em se tratando de saúde pública, quando o agente público se desapega dos critérios técnicos e científicos indicados para a ocasião, atrai, é bom que se repita, todos os encargos desta sua eleição, desta sua conduta.

 

A lei de improbidade administrativa quer punir o agente público desonesto com a administração pública, desonesto com as coisas públicas, não quer punir o inábil, aquele que embora se esforçando é incapaz de fazer o melhor ou o mais próximo à isso.

 

Contudo, a lei de improbidade administrativa trouxe em seu bojo o artigo 11 que trata dos atos de improbidade administrativa violadores dos princípios da administração pública.

 

Com efeito, à punição de qualquer agente público por violação aos princípios da administração pública exige demonstração de dolo do agente, significa dizer, a intenção deliberada, consciente do agente público voltada em descumprir os princípios da administração, dolo que deve ser demonstrado e cabalmente provado por quem alega.

 

O agente público que advertido formalmente acerca de sua conduta equivocada, seja por uma conduta ativa ou seja por uma conduta passiva, ou seja, advertido que sua conduta atenta contra os princípios da administração pública, incorre em ato de improbidade administrativa.

 

Advirta-se, por oportuno, que a eficiência no trato dos interesses públicos não é uma opção dos agentes públicos, mas um dever sacrossanto, indissociável de suas competências, até porque, decorre à eficiência de disposição constitucional.

 

De fato, a punição do agente público por decisões tomadas em saúde pública afrontosas aos princípios da administração, depende de demonstração de dolo, compreendido neste aspecto o dolo em sentido amplo, dispensando, como se dispensa, que haja dolo especifico, bastando, como efetivamente basta, à demonstração de dolo genérico, inclusive dolo eventual.

 

Se o agente público é instado sobre sua conduta e ainda assim prossegue em seu desiderato pecaminoso, assume os riscos decorrentes da equivocada escolha, não mais podendo alegar desconhecimento ou mesmo boa-fé, pois, se advertido de que sua conduta é afrontosa às orientações cientificas passa a sua conduta ser uma conduta de risco próprio, ou como se diz, por sua conta e risco, assumindo todos os resultados que desta conduta possam advir, o que pode lhe render atos de improbidade administrativa, dever de reparação civil aos lesados ou ao coletivo, sem prejuízo das disposições penais que regem toda a matéria, como os crimes contra à saúde pública ou até contra a humanidade, a depender no último caso do alcance da lesão decorrente da conduta equivocada.

 

Ainda no âmbito administrativo, a lei 1.079/50, define os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República e pelos Ministros de Estado, sabido que é não incorrerem tais agentes (Presidente da República e pelos Ministros de Estado) nas disposições da lei de improbidade administrativa.

 

Contudo, tal como os demais agentes públicos, o Presidente da República e os Ministros de Estado não são imunes à punição, se na tomada de suas decisões desrespeitarem o dever de obediência ao fiel cumprimento eficiente dos direitos sociais, conforme se depreende do artigo 7, número 9, da lei 1.079/50 , ainda em vigência, embora o precitado dispositivo faça referências à artigos da Constituição de 1.946 que, aliás, respeitadas as diferenças de redação e disposições foram também mantidos na Constituição cidadã de 1.988 que expressamente reconheceu os direitos sociais como direitos fundamentais.

 

É preciso advertir que na tomada de decisões sobre saúde pública, a par de obediência à Constituição e às leis, impõe-se ainda, estrita e incondicional observância aos parâmetros da ciência, porque inexiste espaço de liberdade de agir e de decidir se a ciência é capaz de preencher este espaço, apontando qual o caminho mais recomendado a ser seguido, ainda que, a ciência, não possa garantir eficiência inconteste, mas é capaz de apontar qual o caminho que mais se aproxima da eficiência/perfeição esperada.

 

Em conclusão, quando o agente público age por sua conta e risco na tomada de decisões sobre saúde pública, chama para si as consequências negativas que possam advir de tal conduta, abrindo mão, antecipadamente, da possibilidade de alegar qualquer matéria em sua defesa (culpa exclusiva da vítima, força maior, entre outras), pois, tal como acontece na responsabilidade civil decorrente de danos ambientais ou nucleares, por exemplo, aqui também a responsabilidade civil, em relação ao agente público é integral e pessoal, já que assumiu deliberadamente o risco integral pelo resultado danoso.

 

Contudo, se o agente público tomou a decisão com apoio em critérios indicados pela ciência, ainda que de sua conduta resulte dano à outrem ou ao coletivo, permanece à responsabilidade civil do Estado e, por conseguinte, o direito de regresso contra o agente público causador do dano (tomador da decisão), contudo, esta responsabilidade civil deixa de ser integral para se acomodar na regra geral que assenta à responsabilidade civil do Estado, uma responsabilidade civil objetiva ou subjetiva conforme as circunstâncias, em qualquer caso assegurado o direito de regresso do Estado em face do agente nos casos em que aquele agir com dolo ou culpa.

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