Os princípios da legalidade e da moralidade na Administração Pública

Os princípios da legalidade e da moralidade na Administração Pública

RESUMO

No direito privado, ou seja, nas relações entre particulares, prevalece a regra da autonomia da vontade, ou seja, é possível fazer ou deixar de fazer tudo aquilo que a lei não proíba. Há nestes casos uma intervenção mínima do Estado na vida das pessoas físicas ou jurídicas. O mesmo não se dá na Administração Pública. No âmbito da Administração Pública vige o princípio da legalidade, ou seja, o agente público somente pode fazer ou deixar de fazer aquilo que expressamente esteja autorizado na lei, tendo em vista à indisponibilidade dos interesses públicos. A moralidade da administração pública, ao lado da legalidade, formam os dois principais pilares para todos os atos administrativos, ou seja, à impossibilidade do agente público agir de forma contrária à ética, contrária à moralidade. Os atos administrativos deverão obrigatoriamente se escorarem cumulativamente tanto na lei, princípio da legalidade, como na moral, na ética, princípio da moralidade, sob pena de invalidação perante o Poder Judiciário ou até mesmo perante à própria Administração Pública.

PALAVRAS-CHAVE: Legalidade; Moralidade; Administração Pública; Atos Administrativos; Improbidade Administra

 

INTRODUÇÃO

Com a evolução do próprio conceito de Estado e, consequentemente, do papel do Estado em nossas vidas, a exigência social de que os atos públicos fossem pautados pela legalidade recebeu contornos ainda mais fortes.

A evolução social e do próprio direito administrativo, exigiu que, o agente público, não só se pautasse somente pela legalidade, mas além disso, que se pautasse também pela moralidade administrativa, significa dizer, que ao lado da legalidade, o agente público, enquanto no trato da coisa pública, tomasse suas decisões escorado na legalidade e na moralidade.

Significa dizer, que o agente público deve não só fazer ou deixar de fazer o que está previsto em lei, mas também que pautasse suas decisões, seus atos, enquanto gestor da res pública, administrador de interesses comunitários, por regras de eticidade, por um conjunto de valores inerentes ao ser humano enquanto cidadão e membro de uma sociedade.

A moralidade da administração pública nos últimos anos tem recebido maior espaço de discussão inclusive entre a própria sociedade que, a par da exigir o cumprimento da lei pelos administradores públicos, passou a exigir que tais se comportassem no trato da coisa pública, dentro de um padrão mínimo de eticidade, pautados em valores mínimos de ambiência social.

Mas estes valores de ambiência social a que nos referimos, não são os mesmos valores da moralidade comum, da moralidade social, mas a moralidade administrativa tratada na Constituição Federal, refere-se, isso sim, a ética no trato da res pública, um dever de lealdade, de probidade, de boa-fé objetiva com a coisa púbica mirando a melhor decisão, que, tudo somado, significa o dever imperioso de todo agente público de atingir a boa administração.

 

1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O princípio da legalidade é sempre lembrado como um princípio maior do direito administrativo, porquanto não é dado ao agente público, vale dizer, à administração pública agir segundo a vontade do agente público que a representa. Por isso é que se diz que o agente público não tem vontade, logo também não o tem a administração pública.

 

A vontade da administração pública decorre da lei. Em direito administrativo não há autonomia da vontade, o que há, isso sim, é a vontade da lei. A administração pública é igual a um trem de ferro, tem que andar nos trilhos, nos trilhos da lei.

 

A agente público só lhe é dado o direito de agir segundo aquilo que lhe prescreve as normas. A administração pública só pode fazer ou deixar de fazer aquilo que lhe é conferido por lei.

 

No Estado de direito à administração pública anda conforme lhe manda a lei, e desenvolve suas atividades debaixo da lei. O princípio da legalidade no Estado de direito impõe a supremacia da lei sobre a vontade dos governantes. A função administrativa no Estado de direito submete-se à vontade da lei. Um governo de leis e não um governo de homens, como expressava os anseios da grande revolução (revolução francesa).

 

Não é dado ao agente público no desempenho da função administrativa agir conforme seu entendimento, a seu talante, a seu gosto, com autonomia, lhe é dado somente e tão somente agir conforme as diretrizes traçadas pela lei, pois é bom que se repita age ele em extremada obediência aos ditames da lei, ainda que seu ato seja eventualmente “um ato discricionário”.

 

Também não se confere ao agente público agir primeiro (agir livremente segundo suas convicções) e produzir a lei depois como forma de ratificar o ato praticado anteriormente.

 

Para nós, pensamos que o agente público na falta de lei também não poderá agir livremente, conforme o que lhe convier, conforme suas orientações pessoais. Deverá aguardar autorização legal. Certamente por isso a medida provisória (art. 59 da CF) é ferramenta hábil para solucionar situações emergenciais que a lei ainda não regulou.

 

Ainda acerca do princípio da legalidade, Otto Mayer já defendia há muito tempo na Alemanha que lo esencial, lo que importa en el más alto grado, es la seberanía de la Ley. “La ley está colocada por encima de todas las otras actividades del Estado, sin excepción”; e que “La administración es La actividad dei Estado…bajo su orden jurídico”. (OTTO, p. 73, 1.949).

 

Renato Alessi na Itália, também não se distanciou de idêntico magistério “che la funzione amministrativa e subordinatta alla funzione legislativa; tale subordinazione che concreta il principio della necessária legalità dell attività amministrativa”. (ALESSI, p. 9, 1.960).

 

Manuel Maria Diez, na Argentina, ensinava que “se entiende, sin embargo, que esa actividad administrativa debe desarrollarse siempre bajo El ordenamiento jurídico”. (DIEZ, p. 130, 1.963).

 

Enrique Sayagués Laso, no Uruguai, pregava que “La administración desarrolla siempre sua actividad bajo constitución y ley”. (LASO, p. 405, 1.974).

 

E entre nós Ruy Cirne Lima lecionava que “jaz, consequentemente, a administração pública debaixo da legislação, que deve enunciar e determinar a regra de direito”. (LIMA, p. 22, 1.987).

 

E em arremate se pronuncia José Roberto Vieira no sentido de que “reina paz quanto ao curvar-se da administração perante a lei. Não fosse assim, seria pisoteado o Estado de Direito, num lastimável movimento de recuo histórico e político”. (VIEIRA, p. 97, 1.991).

 

Portanto, por tudo o que foi exposto, fica incontroverso que ao agente público não é dado o direito de agir conforme sua livre convicção, mas deve, isso sim, agir em alinhamento com a lei. No Estado de Direito somente a lei tem “vontade” e ao agente público cabe o dever de bem e fielmente seguir essa vontade, pois, é ele e todos nós subordinados à vontade da lei.

 

Cumpre registrar que, nem mesmo nos atos administrativos apontados como sendo “discricionários” não tem espaço a vontade desenfreada do agente público, pois, também aqui a vontade é a da lei que, apenas e tão somente faculta a liberdade de escolher dentre dois ou mais caminhos dados por ela (pela lei). Nem mesmo os atos discricionários escapam da autoridade do princípio da legalidade, o que não poderia mesmo ser diferente. Adiante, em capítulo próprio, trataremos mais afundo a questão da discricionariedade.

 

É de Seabra Fagundes a máxima de que “administrar é aplicar a lei de ofício”.

 

Ao agente público no exercício da função administrativa cabe o dever de cumprir a lei em seus exatos termos, porquanto esta é fruto da vontade legislativa, que por sua vez exterioriza através da lei a vontade do Estado. Como agente público responsável em atingir os fins do Estado não lhe é dado se afastar das vontades do Estado, e as vontades do Estado encontram na lei a sua exteriorização.

 

Para nós, a relação existente entre a administração pública e a lei é uma relação de subordinação daquela diante desta (subordinação da administração diante do império da lei). E neste ponto é também o entendimento do mestre Argentino, José Roberto Dromi, para quem “no basta la simple relación de no contradicción. Se exige, además, uma relación de subordinación”. (DROMI, p. 101, 1.986).

 

O princípio da legalidade que é pedra angular de qualquer Estado de direito, é verificado também no direito italiano, conforme se depreende do artigo 97 da Constituição Federal da Itália “i pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge, in modo che siano assicurati il buon andamento e l’ imparzialità dell’ amministrazione”[1].

 

Também os artigos 274 e 275 da Constituição do Uruguai tratam expressamente do princípio da legalidade na administração pública, e também o elevam a princípio constitucional, conferir: “correspondem al intendente las funciones ejecutivas y administrativas en el gobierno departamental”[2]“además de las que la ley determine, sus atribuciones son cumplir y hacer cumplir la Constitución y las leyes”[3].

 

Assim sendo, não nos resta nenhuma dúvida que a administração pública haverá de zelar pela fiel obediência ao princípio da legalidade, sob pena de negar o próprio Estado de direito, eis que o princípio da legalidade é da essência do Estado de direito.

 

O princípio da legalidade é condição de existência jurídica do próprio ato administrativo, do próprio ato jurídico, pois, ato produzido em descompasso com a legalidade é ato nulo, e como tal inexiste no mundo jurídico, cuja declaração de nulidade produz efeitos ex tunc (retroagem à data de elaboração do ato).

 

O agente público, seja o ocupante do posto mais alto, até o mais singelo dos cargos deverão, um e outro, serem fiéis, submissos, cumpridores da vontade da lei. E não resta ao agente público outra opção senão obedecer e cumprir a lei, pois é isso que determina o ordenamento jurídico. Não lhe compete discutir a pertinência de cumprir ou não a lei, mas lhe compete, isso sim, ser um servo da lei, guardião de seu cumprimento, do cumprimento da lei.

 

A administração pública, e toda ela é fiel à lei, obediente a ela, não lhe competindo desvirtuar a vontade legislativa. A função administrativa é obediente e submissa, vale dizer, subordinada à vontade legislativa.

 

E ainda, o princípio da legalidade exige que qualquer ato da administração pública seja apoiado em autorização legal já existente. Isso significa que não é dado ao administrador, ao agente público, adotar um ato sem autorização legal e depois produzir a lei para justificar a medida por ele tomada, o ato por ele (agente público) produzido.

 

Em uma palavra: Qualquer ato emanado da administração pública exige que haja lei prévia que tenha autorizado tal ato.

 

Na Europa, o princípio da legalidade recebe também este tratamento, qual seja ser desdobrado em outros dois princípios, que para nós, melhor sejam tratados como subprincípios daquele (subprincípios do princípio da legalidade). No velho continente então se fala em legalidade no sentido positivo e legalidade no sentido negativo.

 

No sentido negativo ou primazia da lei – impõem que nenhum ato da administração poderá desafiar a lei, vale dizer, ir contra a lei, o que nada de novo traz, pois, é sabido e ressabido que a lei tem superioridade diante do ato administrativo; no sentido positivo anuncia ou reserva legal determina que nenhum ato poderá ser praticado sem autorização prévia da lei.

 

Isso significa que nenhum ato da administração (ato administrativo) poderá ser produzido sem que haja antes autorização da lei para produção daquele ato, pois o ato administrativo não pode em nenhuma hipótese inovar o ordenamento jurídico, cabendo lhe somente e tão somente o papel de ponte para a aplicação da lei no caso concreto.

 

Assim no sentido positivo reforça-se a ideia de que o ato administrativo somente poderá ser produzido quando houver uma lei anterior que autorize a pratica daquele ato, sendo certo que, tal lei deve ser válida, constitucional, pois, se referida lei contrariou a Constituição é ela uma lei inválida, nula, e como tal não surtiu, como regra, nenhum efeito jurídico.

 

Celso Antônio Bandeira de Mello, com sua autoridade e citando estudiosos do direito administrativo no estrangeiro ensina que o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-la, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro. Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem. Aliás, no mesmo sentido é a observação de Alessi, ao averbar que a função administrativa se subordina à legislativa não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza. Afonso Rodrigues Queiró afirma que a Administração “é a longa manus do legislador” e que “a atividade administrativa é atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais. (MELLO, p. 101, 2.014).

 

É também a nossa posição.

 

Ressalva-se, no entanto que, três situações excepcionais escapam à regra geral aqui tratada. Há vozes no sentido de que a medida provisória; o estado de sitio; e o estado de defesa são exceções à regra geral do princípio da legalidade. Esse entendimento tem sido defendido por Celso Antônio Bandeira de Mello, confira-se: a integral vigência do princípio da legalidade pode sofrer transitória constrição perante circunstâncias excepcionais mencionadas expressamente na lei Maior. Isto sucede em hipóteses nas quais a Constituição faculta ao Presidente da República que adote providências incomuns e proceda na conformidade delas para enfrentar contingências anômalas, excepcionais, exigentes de autuação sumamente expedita, ou eventos gravíssimos que requerem atuação particularmente enérgica. É o caso tão-só das “medidas provisórias” (previstas no art. 62 e parágrafos), da decretação do “estado de defesa” (regulado no art. 136) e do “estado de sítio” (disciplinado nos arts. 137 a 139). (MELLO, p. 105, 2.014).

 

No que toca à medida provisória a justificativa é esta providência não é lei, tem força de lei, mas não é lei, sendo diferente a carga jurídica de uma e outra. As leis “naturais” que são aquelas advindas do legislativo padecem de qualquer pressuposto que se exige para as medidas provisórias (relevância e urgência), por exemplo, o que então as difere das leis. Portanto, é correto afirmar que isso per si só já a difere das leis “naturais”. E de igual modo o estado de defesa, que diante de certas circunstâncias excepcionais, autoriza que o chefe do executivo adote providências outras mesmo não havendo lei expressa autorizadora de uma ou outra providência necessária no estado de defesa.

 

E mais e finalmente, no estado de sítio também se segue a mesma sorte! E verdadeira a afirmação de que durante o estado de sítio poderão ser adotadas providências extremas, contudo, tais providências a nosso sentir não são cridas da imaginação do executivo, mas decorrem da própria Constituição (arts. 137 a 139). Mas o que se fala é que tendo em vista ser situação de exceção – seria exceção ao princípio da legalidade, pois o decreto que instituir o estado de sitio preverá as medidas que o executivo entende como sendo importantes para aquele momento de exceção (estado de exceção). Em uma palavra: o executivo age conforme seu as circunstâncias (decreto do estado de sítio) sem que haja observância à legalidade no sentido estrito.

 

Nossa posição sobre o assunto: Resguardadas as preciosas lições mencionadas acima, para nós, não há exceção ao princípio da legalidade que possa ser reconhecida. Com efeito, tanto no estado de sítio, como no estado de defesa, como ainda no caso da expedição de medidas provisórias, de fato, o que se tem é o perfeito cumprimento ao princípio da legalidade.

 

Ora, se o chefe do executivo adota uma ou outra providência fora descoberto de uma lei anterior que defina exatamente a adoção daquele ato por ele praticado, somente o fez porque recebeu permissão da Constituição para assim agir, vale dizer, agir em caráter excepcional adotando providências que aquelas circunstâncias exigiam.

 

É a Constituição que expressamente autoriza a pratica destas providências, pois, é isso que se infere dos artigos 136 a 139 da carta maior. Não há exceção ao princípio da legalidade, mas há firme cumprimento dele. Repita-se que, é a Constituição que autoriza a adoção de providências que não foram previamente autorizadas em lei (autorização especifica) embora a Constituição tenha deferido uma permissão genérica, justamente para atender uma situação excepcional.

 

E como diz Walter Claudius Rothenburg “a franca previsão de estados de exceção nas Constituições parece revelar o acerto de se procurar disciplinar as situações de crise grave por meio de um regime jurídico peculiar”. (ROTHENBURG, p. 1.563, 2.014).

 

Não se trata aqui de exceção, mas apenas um modo de enxergar o princípio da legalidade, daí porque inexiste para nós qualquer exceção ao princípio da legalidade. E ao Poder Judiciário cabe a tarefa de zelar pelo efetivo cumprimento do referido princípio, inclusive em situações excepcionais, como nos estados de exceção, tudo isso para garantir o fiel cumprimento ao princípio da legalidade, evitando distorções, desrespeito a ponto de fazer a vontade do agente público ao invés da vontade da lei, que há de ser sempre obedecida.

 

É também neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conferir

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Impossibilidade da análise prévia das normas editalícias e do reexame de provas. Incidência das Súmulas 279 e 454 do Supremo Tribunal Federal. 2.  Compete ao Poder Judiciário a análise da constitucionalidade e da legalidade dos atos administrativos.” (AI 746.260-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 09.06.2009) (grifou-se). “CONSTITUCIONAL. SEPARAÇÃO DOS PODERES. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE ATO DO PODER EXECUTIVO PELO PODER JUDICIÁRIO. DECISÃO BASEADA NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL LOCAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS EDITALÍCIAS. SÚMULAS 279, 280 E 454. AGRAVO IMPROVIDO. I – Cabe ao Poder Judiciário a análise da legalidade e constitucionalidade dos atos dos três Poderes constitucionais, e, em vislumbrando mácula no ato impugnado, afastar a sua aplicação.[4]

 

2 O PRINCÍPIO DA MORALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O princípio da moralidade tem sofrido ataques de toda monta. Se é verdade que o agente público deve de forma absoluta cumprir os rigores da legalidade não é menos verdade que também deve de igual modo cumprir com os rigores da moralidade. O princípio da moralidade administrativa recebeu assento na Constituição Federal de 1988, o que ensejou sua observância em qualquer relação jurídica em que o Estado seja parte ou interessado. E sendo assim não basta praticar os atos administrativos dentro da legalidade, é necessário seja observada de igual modo à moralidade na prática do ato.

 

Portanto, não basta que o ato do agente público seja legal, é necessário seja legal e moral. É preciso a junção dos dois princípios, legalidade e moralidade. Referido princípio que repita se, é de cumprimento obrigatório, é um direito fundamental!

 

O princípio da moralidade prega o dever de ser honesto, de ser probo, de agir de acordo com a boa-fé objetiva no trato da coisa pública, um dever de retidão. É o dever de ser ético! Ninguém nasce ético, ética se adquire, se constrói no caminho da vida. Tratar a coisa pública com honestidade, com boa fé, dentro de padrões mínimos de moral. Isso é moralidade na administração.

 

Moralidade é um conceito aberto, tal como bom pai de família ou mulher honesta. E como conceito aberto recebe variações no tempo. O conceito de moral é evolutivo, não retroage, é sempre progressivo dentro daquilo que a sociedade em certo momento da sua evolução entende como sendo moral ou não (imoral).

 

Tendo em vista os objetivos desse trabalho não nos cabe abordar a questão histórica da moralidade, todavia, não passa despercebido que coube a Maurice Hauriou desenvolver pioneiramente a questão da moralidade administrativa.

 

A moralidade administrativa também passa por um juízo de razoabilidade dentro de padrões gerais de ambiência social. A título de exemplo é possível recordar fato real acontecido no parlamento brasileiro conhecido como “a farra das passagens”. Havia um ato administrativo que autorizava o uso de passagens aéreas excedentes (excedentes porque o parlamentar em determinado período não usou toda a cota que tinha direito) pelos parlamentares que não era bem clara. De qualquer sorte havia o ato permissivo e esse ato era tecnicamente legal. Contudo, alguns parlamentares passaram a usar de forma desvairada as passagens referidas, inclusive para transporte de serviçais pessoais, cônjuges, cabos eleitorais e amigos.

 

A questão por alguma razão foi colocada na mídia no ano de 2009 provocando um desconforto na opinião pública. A indagação era: embora legal essa situação era moral? Certamente que não! Diante disso o parlamento melhor regulamentou aquela situação. No ano de 2016 a procuradoria da república em Brasília denunciou 443 pessoas (na maioria políticos) pelo crime de peculato por conta dos acontecimentos. O exemplo deixa claro que não basta obediência à legalidade sendo de igual modo obedecer a moral. No exemplo que citamos ninguém dúvida que usar dinheiro público para transportar amigos, cabos eleitorais é um atentado contra a moralidade. É um juízo geral que está no conceito de qualquer homem médio.

 

A lei de improbidade administrativa é norma infraconstitucional de combate à violação ao princípio da moralidade. Ímprobo é o contrário de probo. A lei de improbidade administrativa foi criada para punir aquele que age de forma dolosa, aquele que é de má-fé para com a administração pública. Moralidade na administração pública quer significar ser digno para com a administração pública.

 

O agente público deve nos atos administrativos se pautar não só na lei (no sentido literal) e não só em juízos de conveniência e oportunidade, mas se pautar também pelo que é honesto. Esse dever frise-se é geral, vale dizer, não só entre a administração pública e os administrados, mas também internamente na própria administração pública. É, repita-se, o dever de boa-fé, o dever de ser honesto, é o dever de tratar a coisa pública como se sua fosse, com zelo, probidade, retidão e eticidade. Ninguém nasce ético. Ética se adquire no curso da vida.

 

Marçal Justen Filho estudando sobre a moralidade administrativa ensina que

 

O princípio da moralidade exige que a atividade administrativa seja desenvolvida de modo leal e que assegure a toda comunidade a obtenção de vantagens justas. Exclui a aplicação do provérbio de que os fins justificam os meios. Nem mesmo a invocação do bem comum ou do interesse público abstrato legitima a expropriação ardilosa de bens ou a destruição de interesses de um particular. A moralidade apresenta diversas facetas. Uma delas é a econômica. Não é válido desenvolver a atividade administrativa de modo a propiciar vantagens excessivas ou abusivas para os cofres públicos ou para os cofres privados. (FILHO, p. 65, 2.016).

 

A moralidade na administração pública, em arremate, é uma via de mão dupla porque exige a boa-fé, a eticidade, a honestidade, da administração para com os administrados e entre as relações internas da própria administração, e de outro lado exige-se de igual modo a observação dos mesmos preceitos dos administrados perante qualquer órgão da administração pública.

 

3 CONCLUSÃO

Podemos concluir que o administrador contemporâneo na tomada de decisões, sempre mirando a melhor decisão em seu dever sacrossanto de boa administração, deve se pautar pela legalidade, ou seja, desapegar-se da autonomia privada para apegar-se à legalidade, que significa ser obediente e fiel aos limites da lei, agir ou deixar de agir segundo os traçados, os limites impostos pela Constituição Federal e pelas normas infraconstitucionais.

 

Ao agente público se impõe obediência fiel também à moralidade da administração pública, significa dizer, um dever absoluto de honestidade, eticidade, probidade, lealdade e boa-fé objetiva no trato da coisa pública. É um dever que transborda as intenções do agente público no trato da coisa pública, mas vai além, mira os seus atos.

 

Com isso, podemos concluir que os atoa administrativos, o dever de boa administração, o agir de todo agente público, deve ser apoiado na lei, uma lei prévia, significa dizer, o agente público somente pode fazer ou deixar de fazer se houver expressa autorização legal, não lhe sendo dado agir ou não agir sem à existência de lei.

 

Em igual sentido, não se admite que o agente público faça ou deixe de fazer algo e busque legalizar sua conduta com a elaboração de uma lei posteriormente, em uma verdadeira convalidação, ratificação do ato administrativo praticado, mas ao contrário, o agir, ou não agir, de todo e qualquer agente público, exige uma lei anterior ao ato que assegure ao agente público uma ou outra conduta, porque é isso que efetivamente se extrai da legalidade assentada no artigo 37 da Constituição Federal.

 

Ao lado do princípio da legalidade, o princípio da moralidade da administração pública, que, como dito, implica em um dever de lealdade, de não improbidade, boa-fé objetiva visando a boa administração pública, é pilar de todo ato administrativo e de qualquer conduta no âmbito da administração pública, impondo, como efetivamente se impõe, que na tomada de decisões, o agente público não se paute na sua intenção, mas tenha e mira à sua atitude enquanto guardião dos interesses públicos, de modo, a alinhar sua conduta ao imperativo legal, da lei em sentido estrito e as balizas do dever de ser probo, ético, leal e honesto perante à administração pública e os administrados, consequência, portanto, do princípio da moralidade na administração pública.

 

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALESSI, Renato. Sistema Istituzionale dei Diritto Amministrativo Italiano; Milão; pág. 9.

DIEZ, Manuel Maria. Derecho Administrativo; Buenos Aires; pág. 130.

DROMI, José Roberto. Derecho Subjetivo y Responsabilidad Pública; Madrid; pág. 101.

FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo; São Paulo; pág. 65.

LASO, Enrique Sayagués. Tratado de Derecho Administrativo; Montevidéu; pág. 405.

LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo; São Paulo; pág. 22.

MAYER, Otto. Derecho Administrativo Alemán; Buenos Aires; pág. 73.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo; São Paulo; pág. 105.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Comentários à Constituição do Brasil; São Paulo; pág. 1.563.

VIEIRA, José Roberto. O princípio da legalidade da administração; RDP 97/143.

 

[1] (Art. 97 da CF da Itália): Os cargos públicos são organizados de acordo com a lei, de modo a assegurar o bom desempenho e a imparcialidade da administração (tradução nossa).

[2] (Art. 274 da CF do Uruguai) Correspondem a executiva prefeito e funções administrativas no governo departamental. (tradução nossa)

[3] (Art. 275 da CF do Uruguai) Além daquelas determinadas pela lei, seus poderes são cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis.

[4] AI 746.260; Rel. Min. Rel. Luiz Fux; Brasília, 25 de agosto de 2011.

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